sexta-feira, 31 de outubro de 2008

No tempo do velho Nico


Um amontoado de telhas na porta do velho barracão,
um vaso sanitário quebrado no canto do muro (lembro do banheiro da antiga casa, as paredes em tons de verde musgo, torneira dando choque, achava importante ter um chuveiro em casa, meus vizinhos tomavam banho de caneco ou de bacia), o forno de barro também quebrado, uma velha mesa, faltando um pé, encostada na velha goiabeira, o pé de bugarim esquecido, enfim, um quintal abandonado.

Quando Nico era vivo, seu quintal anunciava sempre um novo nascimento, ora de uma ninhada de pintinhos, ora por entre as ramas, escondidinha, uma abóbora, ora um botão na rozeira branca.
Lá pelas cinco da matina, dava pra ouvir o barulho da sua enxada nos pés de mandioca.

Seu quintal era uma festa!

Para cada tempo, preparava a bendita terra para um grande acontecimento.

Em março, vestia a horta com canteiros em vários tons de verde (alface, couve, cebolinha, salsa, agrião).
Chegava com um ramalhete de verduras e sentia prazer de deixar na cozinha para serem degustados.
De quebra, enchia os bolsos da velha bermuda, de goiabas, mexericas, laranja e jambo para a sobremesa, complementando com uma flor de bugarim para dar cheiro na sala de visitas.

Dava gosto ver o velho Nico chegando do quintal,
todo suado, as mãos e os pés sujos de terra, assoviando uma cantiga.
Feliz da vida, contava que viu um buraco de Tatú, no ninho do Sabiá apareceu um ovinho, na semana seguinte já daria pra chupar da cana caiana, seu dedo mindinho estava coçando muito e que era um danado de um bicho de pé, dos brabos! Até lembro dele dizendo:
---- De tarde um docês dá um jeito nisso pra mim, minhas vistas não tá lá essas coisas!

Tomava um bom banho, vestia seu terno surrado (calça e camisa) e todo satisfeito abria as portas do seu comércio, onde os raios de sol inundavam e esquentavam todo o ambiente, abençoando seu amado trabalho.
As pessoas iam e vinham, nos seus afazeres, recebendo um cumprimento afável do Sô Nico do Bar, assim era conhecido.
Como era doce meu velho!

sábado, 11 de outubro de 2008

Prove só um pouquinho de mim


Ah!Como eu gostaria de ser um salmão,
Estar em banquetes, ser degustado, devorado,
Por reis e rainhas.

Minha sina, embora simples,
É de grande valor,
Por trazer à tona, minhas emoções,
Suprir minha fome,
e quem sabe, de alguma nobreza,
que algum dia foi simples também.

Atiçar a brasa, fagulhas adormecidas,
Incendiar corações,
salpicar afetos e saudades,
servir meu coração
como minha vida é,
simplesmente.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Muros, para que servem?





Muros, para que servem?

Começou lá atrás...

Idéia infeliz!

Vários pensamentos infelizes!

----Vamos nos separar.
----Vão nos roubar.
----Não quero ter contato.

Podemos quebrar esse velho paradigma?

Casas sem muro, talvez sim, talvez não.
Corações sem muros, sim!


O "Maior do Mundo" pede passagem!

Um clube, um baile, uma saudade


Peguei a Folhinha de Mariana (lembro dela, ficava atrás da porta do quarto da minha mãe), e gritei assustada:
---- Angela, estamos no final de maio, o baile do aniversário do Alvinopolense já está chegando, temos que guardar um lugar com Alaide ( nossa costureira) e vamos já para loja de Chiquito ver os tecidos . Bizé já comprou o dela e falou que Chiquito está uma fera, pois o vendedor deixou poucas cores e estampas, quem chegar primeiro leva o melhor.

Lembro da cara de Chiquito, olhar desconfiado, parecia que ele não gostava de atender as moças da Baixada, achava a gente metida e exigente. Falava assim:
----Já vem as enjoadas da Baixada!

Saíamos de lá, felizes com os tecidos e corríamos para o atelier de Alaide, que toda risonha, sentava conosco para nos ajudar na escolha dos modelitos.
Vitória de Sr. Jorge Turco, sempre aparecia, corria os olhos, morrendo de inveja!

Coração apertado, lembrava que, toda época do baile no Alvinopolense, meu namorado arrumava um jeito de terminar o namoro comigo.
É que ele estava fissurado numa garota do bairro do Gaspar e ela saracutiava para o seu lado.
De olho no relógio, da varanda lá de casa, via Paulo Andrade dando as últimas recomendações para Marinês:
---- Não espere o baile acabar, não entra no carro do Josias e não beba no copo de gente estranha, dizem que estão colocando uma tal de bolinha na bebida para as moças ficarem doidonas.

Que coisa deliciosa lembrar nossa chegada trinfal na porta do clube. Quantos degraus para chegar no salão. Naquela hora, até tropeçávamos, a ponto de Tuola ( o presidente do clube) gritar da portaria:
----Cês tão muito assanhadas, vão cair dessa escada, eu não tenho nada com isso!
Engraçado! Era demorado subir aquela escadaria toda, mas era gostoso chegar no salão, dar de cara com o conjunto tocando Beathes e ver o reflexo da luz negra no meu vestido, e ainda por cima passar os "zóios" nos rapazes, encontrar um bem lindo, conquistá-lo, dançar com ele a noite inteira, e nem dar bola para o ex-namorado, que, nessas alturas, já me olhava desconfiado, pois a outra garota tinha encontrado alguém de fora ("pião" de João Monlevade).

Dançar coladinho! Como era bom!
Azar o meu, não era com ele.
Azar o dele, não era comigo.

O baile acabou.
Voltamos para casa felizes da vida!
Angela tinha ficado com Cuca, Marinês vinha de carro até na esquina do Quimquim Terra, para seu pai não ver, e meu ex-namorado ficava de longe, vendo meu beijo de despedida, chupando o dedo!

Ah! De quebra, Jamil, meu vizinho, ficava atrás da janela do seu quarto, vendo nossa turma chegar, doido para amanhecer e ficar sabendo as últimas do baile.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Fé, cada um com a sua


----Santo Antônio do Fundão, Ana Luiza precisa viver, me ajude!
----Vamos fazer um trato, vai lá no hospital, agora, pega na mão do Dr. Elias e salva essa mulher. Em troca, vou trazê-la aqui na sua igreja, à pé, para agradecer a benção recebida, te prometo!
----Ah! De quebra, vou pedir pra ela doar dois lustres para sua Capela.

Maria Divina morava na cidade de Bicas, lecionava em Fundão (distrito de Bicas). Fundão tinha meia dúzia de casinhas pau-a-pique e a Capela de Santo Antônio.
Tinha tanta fé em Santo Antônio, que todo mundo a procurava para fazer as promessas.
Ana Luiza , 36 anos, empresária, não tinha muito tempo de pensar em santo, ir à missa, muito menos pagar promessas.
Contato com padres, igrejas, só mesmo até 15 anos, obrigada pelos pais.
Tinha horror de lembrar um fato acontecido quando adolescente. Em um leilão, depois da missa das dez, os frangos doados, para serem leiloados, estavam amarrados com os pés pra cima e agonizando, de tanta sede. Depois desse episódio, nunca mais voltou na igreja.

----Virgem Maria! Que poeirão danado! Você faz as promessas, e quem paga sou eu? E ainda por cima, essa caixa com os lustres está pesada demais!
---- Mal agradecida! Faça o favor de ficar de bico calado, engole essa poeira, que ainda é pouco.
Anda, anda, só falta mais uma curva para chegar na Capela. E para cumprir certinho a promessa você tem que aguentar, até lá, o peso dos lustres.

Maria Divina sentou nos degraus da capela, tomou fôlego, e entrou puxando Ana Luiza, dizendo:
---- Santo Antonio, cheguei com a moça, veio arrastando, mas veio. Sabe, meu santinho, obrigado por tudo. O Senhor sabe que mato a cobra e mostro o pau. Veio a moça e os lustres para enfeitar a capela. Sábado, à noite, quando o povo chegar para a missa, a capela estará linda. Colhi no meu jardim esses copos-de-leite para enfeitar o altar e deixo aqui, mais uma vez, meu coração agradecido e cheio de amor e fé.

---- O que você está olhando? Agradeça Santo Antônio, você está viva!
---- Maria, ja rezei.
---- Só isso! Dá um beijinho nele, passa as mãos na suas vestes, pega a água benta, passa na sua cicatriz. Pensa que Santo Antônio é bobo? Ele gosta de carinho. Conheço-o como a palma da minha mão!

Ficou, lá atrás, a curva e a poeira da estrada, mas a fé, o amor, o exemplo daquela mulher fez uma reviravolta na vida de Ana Luiza.

sábado, 12 de julho de 2008

Cheiro de canela, sabor de vida


Enquanto borbulhava o arroz doce no tacho, vovó salpicava a canela pra dar mais gostinho. Pretinha, a cachorrinha de estimação, abanava o rabo, furiosa com alguns mosquitos. A turma do rapa batia uma colher na outra, batucando dizendo: --- Vira o doce, Vó. Queremos rapar a panela!
Vovó dizia:
--- Só falta Sá Maria Preta chegar com o limão para colocar umas raspas e o doce fica pronto.

Era domingo! A vovó levantava cedinho para preparar o almoço para a família.
O arroz doce não podia faltar.

Fico pensando...

Tempo bom quando reuníamos na casa da vovó aos domingos.

Hoje sinto falta desses encontros.
Nossos filhos preferem passar o final de semana com os amigos, ora no sítio, ora nas baladas.
Os valores estão mudando.

Dizem que o homem está com a alma fria.

A minha anda pelando!
Chega a queimar as minhas entranhas.

Diacho! Com esse frio, nesse vale mineiro cercado de montanhas, vou pegar o trem pra Mariana (cidade histórica mineira)
Lá moram minha tia Terezinha, tia Nazica e a tia Naná, todas na casa dos oitenta anos.
Têm saúde pra dar e vender.
O remédio: A alegria de viver.
Sei que vou encontrar um delicioso almoço, um bom vinho, sorrisos e afagos para serem compartilhados.

sábado, 17 de maio de 2008

Cantigas de ninar


Cantigas de ninar

Meus braços te embalam, é hora de ninar você.

Todas as cantigas chegam de mansinho.
É como se tivessem ficado guardadas numa gaveta, dentro duma caixinha, à sua espera.

---- Fui na fonte do Tororó beber água e não achei, achei foi
a Yasmim que no Tororó deixei.
Ôoooo Yasmim, Yasminhazinha, entra nessa roda ou ficará sozinha...

Samba-lelê tá doente, tá com a cabeça quebrada,
o que ela precisa é de uma boa lambada...

O cravo brigou com a rosa, debaixo de uma sacada.
O cravo saiu ferido e a rosa despedaçada...

João pica pau, Maria meche o angú,
Tereza põe a mesa para a festa do Tatu...

A galinha do vizim, bota ovo amarelim,
bota um, bota dois, bota treis, bota quatro... bota dez!

Vamos entrar na roda, morena,
vamos rodar, rodar, morena,
entra no meio da roda, morena,
quem é que vai recitar...

Boi, boi, boi, boi da cara preta...
Esta eu não canto, senão você vai ter medo do boi.
Bicho bom o boi, marido da vaca, que dá leitinho, carninha, pra nenem ficar forte.

Nãna, nenem, que a Cuca vai pegar... paro.
Que Cuca que nada. Sai pra lá, sua Cuca feiosa!

Aí, lembrei de uma música dos Beathes que fez presença nos meus quinze anos. Então embalo você nos meus braços, cantando:

Se todo o meu mundo ruir, se eu perder tudo o que tiver, e só restar o amor, eu não peço mais.

Se o mundo compreender que vale mais ter amor do que ter tanta riqueza, vai ser bem melhor viver.

Sou rica pra valer, tenho mais que um rei tenho o seu amor, tenho o lado manso desse doce olhar, tenho o marfim das tuas mãos, que fazem gestos de amor para mim...

Xiiiiii, esqueci o resto.
Vó Ana tá ficando velha.

Você me ouve, a princípio, atenta, com os olhinhos espertos,
depois vai amolecendo, amolecendo, e dorme feliz.

Sou rica pra valer...

Um dia desses, vou mandar essa Vó caçar sapo!
Vai ser boba assim dois tanto, sô!

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Meu querido jardim de infancia


Alvinópolis, cidade mineira, cercada por montanhas e vales na zona da mata, sempre teve destaque na parte da Educação.
Nos meados dos anos 60 já contava com um curso técnico de Contabilidade e o Magistério.
Todos os meus professores se formaram na Escola Estadual Professor Cândido Gomes, com exceção da minha primeira professora, a Irmã Margarida.

Em 1959 comecei minha trajetória escolar no Jardim da Infância,
que nascera da boa vontade das Irmãs de Caridade,
que chegaram em Alvinópolis para cuidar de um Convento com o nome de Beneficência Popular.

Lembro do meu primeiro dia.
Bem cedinho, minha mãe entrou pelo quarto me sacudindo , falando ansiosa que já era hora de ir para a escola.
Levantei meio sonolenta e até aflita vestindo minha sainha xadrez vermelha e branca, uma blusinha branca acompanhada da gravatinha vermelha, um Chuá!!!
Lavei meu rosto, quase esquecendo de escovar os dentes para chegar bem depressa no "Jardim de Infância".

Nossa! "Jardim de Infância"...
Hoje estou entendendo o significado desse nome.
Pensem: As crianças eram recebidas na escola como flores, viçosas flores!
E todos da escola eram "psicologicamente" preparados para cuidar dessas mudinhas que estavam chegando para fazer parte de um jardim.
Íamos para a escola felizes. Lembro que além de brincar e estudar, ajudávamos as irmãs a cuidar da horta.
Na hora do recreio brincávamos debaixo do pé de Cipreste, que até hoje, só de pensar sinto o cheiro das suas folhas.
Lembro que minha mãe me aprontava e me deixava na escola e eu não chorava nem um dia, nem as outras crianças, pelo contrário, eram só risos e pulos nos corredores do convento. Ficava doidinha para chegar na sala de aula, desenhar, ouvir as histórias narradas pela professora, os quebras-cabeças (feito pelas irmãs) sentada naquelas cadeirinhas simples de palha. E a Irmã Margarida não esquecia de rezar para o Papai do Céu nos dar inteligência e saúde.

Hoje devido a vários movimentos sociais engajados na formulação da nova LDBEN e do Estatuto da Criança e do Adolescente, a creche (que atende crianças dos O aos 3 e 11 meses), a pré-escola dos 4 aos 5 anos e 11 meses) estão incluídos na Educação Infantil, denominação que substitui a nomenclatura Jardim de Infância, que por sua vez está incluída na Educação Básica. O que a Legislação pretendeu foi enfatizar que a criança não se desenvolve naturalmente, mas precisa de uma educação com qualidade que promova a construção de conhecimentos. Só que, na prática, esqueceram que a criança não só aprende muito mais, como também, a partir da imaginação que procede do brincar, se constitui criadora de cultura. Levaram a ferro e fogo a educação infantil a não se diferenciar dos objetivos do Ensino Fundamental e isso é muito ruim, pois BRINCAR vem sendo preterido por aulas, pela exigência de se alfabetizar cada vez mais cedo.
Conversei com uma psicopedagoga e com alguns pais e o que vemos é que as crianças estão chegando da escola irritadas, estressadas e inseguras.
Por um lado, as escolas estão cheias de novas tecnologias, salas de informáticas, laboratórios, até boas bibliotecas, mas estão esquecendo que as crianças não são robot.

É por isso que lembrei com saudade da minha primeira escola, meu querido jardim da infância, onde eu aprendi brincando, dançando, gargalhando e minhas noites eram recheadas de sonhos maravilhosos.
As crianças de hoje devem ter pesadelos...

sexta-feira, 9 de maio de 2008

E a natureza convocou anjos pra me cuidar


Me embrenho na mata a procura de mim.
Está tudo escuro,
onde estou?

Quero encontrar-te meu rio de amor,
banhar-me nas suas águas límpidas.
Retirar todo pó que atormenta-me.

Meu Sabiá, canta pra mim...
Prometo que desta vez dançarei...bailarei...

Meu Pé de Manacá, massageia-me com o cheiro de suas flores,
abraçe forte meu coração entristecido.

Lua e estrelas brilhem sobre mim.
Onde está aquela varinha de condão
que me faz adormecer e sonhar?

O sol está nascendo.
A mata desperta e eu também.

Dentro do meu quarto, uma mão quentinha acaricia minha face,
dando sinal que está tudo bem.
Esses achados vem de Ti, Pai do Céu.
O mundo todo precisa destes teus anjos.

Lua de cristal, não de mel


Na época que Cecília casou, suas amigas sonhavam em passar a lua de mel em Cancun, Fernão de Noronha, Fortaleza, mas para ela sua lua de mel não passava de um sonho, difícil de se realizar. Também não tinha tanta importância, afinal sua felicidade já era completa por se casar com Pedro.

Pedro sempre tinha atitudes diferentes dos outros namorados que tivera. Ela com o pé no chão e ele sempre voando... Ela estava começando a pegar vôo também.

No dia do casamento nem cogitara com Pedro sobre a lua de mel, afinal ele não era preso a regras ditadas pela sociedade, muito menos pelo gosto das suas amigas.

Para começar, casaram numa quinta feira, enquanto os casais da sua cidade sempre casavam no sábado. O casamento foi na sala da casa dos seus pais, e o padre só fez o casamento porque era muito amigo de Pedro. Seu traje foi calça jeans e blusa da hering branca, até com um furinho no ombro, dispensou os sapatos, preferiu seu velho tenis. Cecília casou de vestido branco e descalça, com uma flor branca colhida no jardim da sua casa. Mesmo assim, o casamento foi lindo.

Depois da festa, organizada pelos seus pais e os vizinhos, encontraram o velho Opala vinho, do seu irmão, estacionado na porta, como que convidando para uma aventura e tanto.

Passaram por estradas de terra batida, muitas curvas e de repente chegaram numa bela lagoa, onde já estavam esperando por eles, os amigos de infância de Pedro, uma barraca de camping armada, um peixe assando na churrasqueira, improvisada com algumas pedras do lugar.

A noite logo chegou com os últimos convidados: A lua cheia e as estrelas. Ah! Ia me esquecendo, um violão também.

Quem disse que os amigos pegaram a estrada e partiram? Eles resolveram dormir na barraca, no quarto ao lado. Dormiram nada, fizeram serenata para os dois a noite inteira.

A manhã nasceu convidando-os para um belo banho. Caminhando pela mata afora, encontraram uma nascente cujas águas, ainda geladas pelo frio da madrugada, energizaram suas almas.
Nos dias que se seguiram até as namoradas dos amigos foram visitá-los. Foram dez dias de pura natureza.

Chegando na casa de seus pais, Cecília juntou duas camas de solteiro, colocou o lençol amarelo para dar sorte e emaranhou seu corpo no do Pedro. Na manhã seguinte acordou assustada e pensou: E agora?

Cecília, mais uma vez, sabia que sua vida nunca mais seria a mesma.
Sentiu que sua lua de mel , na verdade foi de Cristal. Ela conta que, desde que conheceu Pedro, seus olhos brilharam e brilham até hoje, que nem cristal.

É o brilho do amor!

quinta-feira, 8 de maio de 2008

"Sua Mãe" e seus filhotes


Quem diria que naquela rua, por sinal, tão feia até no nome, Rua do Brejo,
"Sua Mãe" acharia um cantinho, num lote vago, para parir seus filhotes.

"Sua Mãe" é uma cachorra vira-lata que andava com todos os cachorros da cidade.
Como toda pervertida, acabou sozinha e prenha.
Os vizinhos a encontraram toda feliz, numa bela manhã de verão,
dando de mama aos seus filhotes.

As crianças e até os adultos ficaram encantados com os filhotes, lindos!
Chegou um vizinho e adotou um, depois outro e mais outro,
e lá se foram os filhotes de "Sua Mãe".

Você pensa que ela achou bom?
Foi atrás de um por um.
Os vizinhos acharam que eles estavam morando tão mal que,
com certeza, não iam resistir.
Então cada um deu carta branca pra "Sua Mãe" dar de mama pra eles em suas casas.

Toda manhã lá vai "Sua Mãe" de casa em casa amamentá-los.
Todo mundo ficou feliz e ela mais ainda.
Chega toda metida levando seu leitinho e amor para seus filhotes.
Coisa do interior.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Parto do Amor


Quero sair...quero sair...
Quanta parede estranha, me solta!
Preciso, como faço?
Tenho que explodir isso aqui.
Até que enfim, explodi.
Livre estou...pro mundo!
Estou feliz, cheguei!
Me recebe, me abrace.
Que lindo o mundo!
Quantas cores! Quantos sorrisos!
Ufa! Estou em casa de novo.
Nasci

Os quatro "José"



Os Quatro "José"

José Geraldo, 67 anos, o mais desconfiado.
José Antônio, 66 anos, o ranzinsa.
José Valentino, 63 anos, o mais conversado.
José Paulo, 61 anos, o mais alegre.

Quatro irmãos, todos solteiros. Bem que José Valentino chegou a ficar noivo, mas não teve sorte, sua noiva fugiu com outro.

Dona Marieta ficava toda orgulhosa quando via seus filhos chegarem do trabalho. Não sabiam abraçar, muito menos beijar sua velha mãe. O carinho ficava por conta de duas palavras fortes: Bença, mãe!

Nasceram num pedaço de terra, herança dos avós, num lugarejo chamado Quati, que pertence ao Munícipio de Alvinópolis, Zona leste de Minas Gerais.

A casa, bem pequenina, era feita de tijolos e telhas de barro. Dona Marieta gostava de contar para todo mundo que fora presente dos quatro filhos. Antes, quando seu marido era vivo, a casa era de pau-a-pique.

Trabalhavam numa pequena fábrica de tecidos na cidade, como tecelões, profissão da qual muito se orgulhavam. E que, de certa forma, sentiam-se seguros com as carteiras profissionais devidamente assinadas.

José Geraldo, o mais velho, aposentou por invalidez, depois de quinze anos de serviço. Ficou com uma lesão cerebral, consequência de uma febre que não teve diagnóstico certo.
Saiam de casa para o trabalho por volta das quatro horas da madrugada, tomavam o café com broa que Dona Marieta não deixava faltar, pegavam as marmitas, pé na estrada, pois andavam dez km até a fábrica.
Nada disso tinha importância. Não sentiam preguiça ou desânimo. A felicidade estava alojada nos corações desses quatro guerreiros. Tristeza mesmo foi só na morte súbita de Dona Marieta.

De criança até a puberdade ajudavam seus pais na rocinha de milho e feijão. Cuidavam também do pomar onde a mesa era farta de manga, carambola, laranja, mexirica candongueira, jabuticaba e até um pé de Canela que era famoso em toda região. Sempre tinha uma amostrinha da casca da Canela, que José Antonio, muito ranzinsa pegava e esfregava no nariz de quem duvidava.

Dificilmente os "José" apareciam na rua, mas quando tinha novena de São Sebastião e a festa de Nossa Senhora do Rosário, lá estavam eles. Cabelinho cortadinho, sapato lustrado e trazendo uma prenda para o leilão. Ora uma galinha, ora um galo e até um bode que foi arrematado por um bom dinheiro, para alegria do padre.

Trabalharam até aposentar. Mais de trinta anos e se pudessem continuariam na fábrica de tecidos por mais tempo.
Foi bom a aposentadoria, deu para colocar energia elétrica no sítio, comprar geladeira, som, televisao, e até uma antena parabólica. Depois de tantos anos mereciam tudo isso, inclusive comer e beber do bom e do melhor.

Mas...
Nem sempre ter uma vida feliz e em paz depende de nós.

Esta semana, assistindo o jornal da tarde ouvi essa notícia:
Na cidade de Alvinópolis, num lugarejo denominado Quati, foi encontrado os corpos de três irmãos, assassinados com um revolver calibre 38. Um estava na cozinha, outro no quarto e outro na sala. Segundo os vizinhos, eles eram aposentados e recebiam um total de 1.500,00 reais mensais. Acredita-se que o assassino deve ser alguém que conhecia a vida dos irmãos e sabia que eles guardavam o dinheiro em casa. O quarto "Jose", por algum motivo, não se encontrava no momento do roubo e, era justamente o José Geraldo, que tinha problemas mentais. E aí?

A violência está por todos os lados, inclusive no interior.

Viver em paz, como?

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Sem eira nem beira


Sem eira, nem beira


"Sem eira, nem beira" era a qualificação que, na época do Império, era dada às famílias que tinham menor poder aquisitivo.
Todas as casas eram construidas com eiras.
Duas eiras ou mais gozavam de poder, pois eram mais ricas, uma eira menos ricas, e sem eira eram pobres mesmo.

Dona Anita resolveu batizar seu restaurante pelo nome de "Sem eira, nem beira".
O motivo foi, nada mais, nada menos, sua chegada a Belo Horizonte, por
volta de 1998, sem grana e sem glamour,além da sua deliciosa comida mineira.
Acostumada a servir seus clientes do interior como se fossem de casa, Belo Horizonte lhe parecia glamourosa demais.
Aprendeu com sua velha mãe a fazer um feijão tropeiro supimpa, uma feijoada e um frango com quiabo tão apetitoso, que não deu outra. Logo, logo no bairro todo o "Sem Eira, Nem Beira" ficou famoso.
Amava todos os clientes, mas tinha um carinho especial pelos clientes pós almoço.

Eram doze ao todo.

Marcio chegou com panca de manda-chuva, querendo dar 1 real numa "quentinha" para dividir com sua dona que estava grávida..
Era um moço bonito e forte, mas maltratado pela vida.

Geraldo, ex jardineiro, trabalhador, limpava os carros da rua, trazia seu filho, já viciado aos 14 anos.

Já o Maneco, coitado! Tinha vergonha até de pedir o almoço. Com ele vieram mais cinco colegas ( dizem que furtavam tudo que viam pela frente).

Rosália chegava com seu irmão menor, passava até fome.
Sua mãe era catadora de papel e não deixava nada nas latas.

Essa turma era fiel.
Colocavam as vazilhas na entrada do restaurante e voltavam mais tarde para pegá-las.
Nos bastidores, Dona Anita e seus funcionários faziam daquele momento uma oração. E com muito amor entregavam o almoço com tudo que eles tinham de direito. Direito sim!
Ela sempre dizia:
--- Se é pra doar, vamos doar direito!
Aquelas horas eram as melhores do seu dia. Em troca, seu restaurante era vijiado dia e noite, nunca apareceu um ladrão, e segundo um casal que trabalhava na portaria do estacionamento ao lado, essa turma era que nem cão de guarda.

Passaram-se os anos.
Dona Anita mudou de bairro e vendeu o "Sem eira, nem beira".
Um certo dia, ao passar por aquele bairro, ouviu vozes gritando:
--- D. Anita, tudo jóia? Beleza?
Era uma parte daquela turma. Seus olhos brilhavam, resplandeciam de alegria.Sentiu que não foi em vão aquela convivência. Deixou saudades.Levou saudades...
Fico aqui pensando com meus botões:
Feliz daquele que tem a chance de doar.

Junim, agradecida pelo convite.

Segue foto, se achar legal, manda ver!
Abraços

domingo, 4 de maio de 2008

Homem só presta pra sujar a gente de noite


Era assim que minha Vó Munda dizia para tia Laura tentando, com sua sabedoria, amenisar a revolta que ela sentia por não ter se casado.

Mal sabia ela que tia Laura , hoje com 80 anos, não podia ver um homem.
Logo dava um jeito de conquistá-lo.
Quantas vezes, quando criança, ouvia minha vó dizer:
---Coitada da Laura, não tem sorte, ainda não se casou.

A bichinha não era fácil.
Surrateira e ainda por cima, lembro que até aos 60 anos, namorava rapaz de 30.
E ela era uma loirinha bonita!

Casou todas as sobrinhas.
Agora acompanha os namoros das sobrinhas-netas.
Tem sempre um caso pra contar de alguma sobrinha.
Já ouvi vários:
--- Cida e Roberto dormiram aqui em casa semana passada, não me deixaram dormir, gemeram a noite toda;
--- A Rosária não vê a hora de Augusto chegar, pra poder fazer amor.

Estive com ela no mês passado e a encontrei muito angustiada, tirou dos seus guardados várias fotos e cartas de namorados, dizendo:
---Não gosto de nada, não quero mais nada!

Então falei pra ela:
--- Tia, voce é tão linda!
--- Tira aí da gaveta alguns sonhos!
--- O que a senhora gostava de fazer e não fez, faça!
Imagina o que ela me respondeu, só podia vir da tia Laura:

--- Só se for meter! Só se for meter!

Bicho de monte


Sou bicho de uma asa só.
Sou bicho de um coração só.
Voar como?
Amar como? Só?
Levo jeito não.
Venha! Mais um... Outro... mais outro.
Igual bicho de monte.
Viveremos abraçados e amados,
Sem frio, sem fome, sem medo.

E aí, Sagrado Eu?


Brigo sim!
O que tem feito aí dentro de mim?
Me afague, me serena...
Me abraçe forte, bem apertado.
Sinto frio, me esquenta.
Quem mandou ser dono de mim?
Quando voce chegou, eu era um grãozinho de nada.
Por que me escolheu?
Bem feito! Achou que ia ser fácil?
Então... Me transborda de amor.
Tenho pressa, lá fora tem gente precisando desse amor.
Se vira, cuida do meu coração.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Pedaços


Pedaços

Enquanto não chega a hora, ela vai espalhando por aí,
Pedaços dela.

No rosto, pedaços de sorrisos,
Olhares balsâmicos,
Cheiros no lugar de beijos.

No peito, calor.
Nos braços, abraços.
Nas mãos, zêlo.

Seu sorriso pega serviço cedo.
Dá um gostoso para ela e outro para seu lar.
Abre a porta, sorri para Jesus e O convida para entrar.

Na mesa do café, dá o seu melhor.
É para levantar o astral.

O dia passa... afazeres...

À noite manda um pedaço dela para o além, cheio de saudades.
Do lado de lá tem uma leve impressão que ele a espera.

Toda mulher sabe que no seu caminhar espalha "fortes pedaços".

E quando chegar a "hora" uma Energia Suprema recolherá todos eles e a santificará nos Céus.

Evaporei


Evaporei!


Sinto que evaporei.
Estou no céu!
Prefiro as nuvens, no momento.
Ficar lá embaixo, só se o tempo melhorar.

Não tem verde, não tem brisa,
Nem cheiro de terra,
Só volto depois da chuva.

Meu lado maçã está sem gosto.
O galho da amora secou.
O morango, mofou.

Virar um pirulito, mesmo tutti-frutti
De jeito nenhum.
Só queria dar um gostinho de fruta em sua vida.

Então, vou esperar a chuva chegar.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Valentina Valente


Valentina valente



Vejo você, tão frágil.
Tão pequenina.
Tão terna nos seus 100 anos.

Seus olhos brilham,
Seu olhar é de alegria.
Sua voz tão meiga.



Valentina!
Uma mulher valente.
Que nem seu nome.

Mora sozinha, minha vizinha.
Mas não vive só.
Tem quem te dê banho,
Não falta o alimento.
Tem as criãnças que brincam com você,
Tem Deus que vela seu sono.

És feliz!
Seus passinhos a conduz... Para onde?
Já sei!
Para viver mais um dia.
Esse já foi.
Amanhã, quem saberá?
Só Deus sabe.

Boa noite, bons sonhos!

O mestre dos doutores


O Mestre dos Doutores


Já vem Sô Geraldo da Varginha. Um velho jovem de cabelos grisalhos, calça amarrada com um pedaço de corda e um sorriso de criança. Segue dengoso, abençoando quem por ele passa.
No seu balaio traz verduras e legumes frescos, colhido na sua rocinha.
Mora em Rio Piracicaba (Minas Gerais) no Distrito deVarginha, um lugarejo onde Judas perdeu as botas.
Dizem que suas "crias" foram mais de vinte. E todos bem criados naquele pequeno sítio, numa casinha branca e singela. De cá da estrada a gente vê fumaça sainda pela chaminé. Deve ser sua dona fazendo deliciosas quitandas. Até já provei algumas.
Um dia passou na minha porta oferecendo um feijão diferente. Lembro até da sua rizada falando que o feijão tinha o nome de "Rebenta Muié". Outra vez apareceu com uma cenoura baroa que era amarelinha igual ouro e dava em penca que nem banana, nunca tinha visto nada igual. Ganhava seus trocados vendendo de porta em porta seus achados da natureza.

Noventa e cinco anos de vivência!
Lembro dele contando todo orgulhoso que os "doutores" da Universidade Federal de Viçosa aparecia, de vez em quando, no seu sítio para aprender com ele o por que de algumas plantas que, no laboratório da Faculdade, não iam à diante.
Coisa simples, assim dizia ele, é só observar a lua para jogar a semente na hora certa. Mas Sô Geraldo, e esse fungo que pareceu nos pés de feijão? Também pudera, continuava ele, esses doutores não prestam atenção, observem os ventos, eles trazem os bichos todos no ar, tem que observar a natureza para plantar na hora certa. E assim ele dava uma aula, com sua sabedoria de matuto. Ia sempre na Universidade levar algumas sementes colhidas no seu quintal.
Todo final de ano, Sô Geraldo passava lá em casa todo orgulhoso, bem trajado nos contando que ia pegar o ônibus para Viçosa. É que era convidado de honra da Universidade e seria homenageado pela turma do Pós graduação e Doutorado. Foi até paraninfo de uma turma, não me lembro o ano. Já apareceu até no Globo Rural. Fazia palestras para os alunos da Engenharia Florestal, Agronomia e até Meio Ambiente.
Que beleza de engenheiro formado pela própria natureza!
Fazem cinco anos que ele se foi. Lembro de uma prosa dele só para me agradar: Sô Marquinhos, o senhor tem uma dona que nem a minha, ela conhece o manejo das coisas.Ela sabe manejar.
Quem soube manejar foi o senhor, meu saudoso e querido amigo.
Fica aí com Deus!

Uma longa e deliciosa viagem


Estou voltando de uma viagem maravilhosa...
Alguém já fez uma viagem assim... através do sonho?
Eu fiz, por que não?

Sonhei tanto! Descobri que viajei durante anos, através dos livros e revistas.

Estava com treze anos quando ouvi falar de um país chamado Peru. E lá existia uma civilização que construiu uma cidade no topo de uma montanha. Era a civilização Inca. Foram perseguidos pelos inimigos durantes anos e fugiram criando uma fortaleza e, por lá viveram muitos anos. Essa fortaleza denominada Macchu Picchu, por sinal está entre as "Sete Maravilhas do Mundo" e, é reconhecida como Patrimônio Histórico da Humanidade.

Com quinze anos continuava viajando.
O espírito andino, sagrado e monumental tomou conta dos meus sonhos, nesta terra onde mito e história se fundiram.

Com dezoito anos, fui estudar em Belo Horizonte.
Para minha surpresa, visitando a Feira hippie, encontrei uns peruanos, descendentes dos Incas, vendendo pulseiras e anéis confeccionados artesanalmente por eles. Me enfeitei com suas pratas. Mais tarde, para minha tristeza, esqueci minha bolsa dentro de um taxi e lá se foram minhas jóias raras.
No meu guarda-roupa tinha blusas, gorros, e mantas de lã de lhama. Nas noites de inverno, quando ia para minha cidade no interior, elas me aqueciam. Até o namorado pegava carona e se achegava a mim, para esquentar. E eu pensava que era meu corpo que o esquentava. Só agora me dei conta disso.

Aos vinte e três anos voltei para o interior, me casei e montei uma loja de presentes. Adivinha os tipos de presentes que comprei para vender?
Só tinha olhos para as roupas, tapetes, quadros e pratas confeccionados pelos peruanos.
Para minha alegria, a mãe de uma amiga tinha uma irmã que morava no Perú e toda viagem que fazia por lá, trazia muitos presentes para mim.
Minha casa era toda enfeitada, viajava a toda momento que entrava no meu quarto, na sala, até no corredor e dava de cara com aquele colorido maravilhoso dos tapetes, das colchas e dos quadros na parede. Os tons vermelho, amarelo, laranja, roxo e azul anil brigavam para tomar o lugar do arco íris na minha vida e eu ficava imaginando essa cores nos fios de lã, nas mãos das Incas, como se elas tivessem mesmo um pedaço do céu no seu colo. E eu me imaginava no meio delas, a tecer um lindo arco íris.

Dezembro de 2007, um dia qualquer, uma hora qualquer...
Bateu na porta, fui atender.
Adivinha quem era?
"Eu" chegando.
--- Entra.
--- Puxa! Demorou!
--- Voce acha?
--- Só quarenta anos.

Quantas viagens lindas fazemos ao longo da vida e nem nos damos conta.

E Deus mandou um lindo presente


E Deus mandou um lindo presente...

E Ele caprichou!
O dia nasceu lindo!
Preparou um céu tão azul...
Um sol dourado,
Uma brisa suave...

A cegonha fez presença nos meus sonhos...
Chegou toda feliz e orgulhosa,
Sabia que seu Senhor a convocou para uma grande missão.
Há anos, seu trabalho é único, mas aquele dia parecia que alguém, na terra, mas precisamente uma avó, a mais bobona de todas, fez uma aliança com o Dono do mundo, e ela teria que seguir à risca essa preciosa entrega.

Então...
Levantou cedinho, se banhou num lago de águas cristalinas, encheu os pulmões do mais puro ar,
Afiou os bicos, teceu uma toalhinha com o mais puro algodão e,
voou aos céus, pegou Yasmin dos braços do Senhor e a entregou no endereço certo.

Mais um anjo para iluminar um lar aqui na terra.
Que bom que esse anjo chegou...para o meu lar.

E a cegonha seguiu seu caminho. Voou nas alturas, pois sabia que teria novas missões pela frente, e que seu Senhor tinha pressa.

A menina dos Seus Olhos, a terra, estava precisando de muitos anjos.

Cada um é cada um

Chiquito é daqueles descendentes de italianos, cujo pai veio do interior da Itália, região da Calábria, após a segunda guerra mundial.

Sistemático, caladão, herdou uma "venda", que até hoje tem as mesmas características de oitenta anos atrás.
Ele é tão "ele", que certa vez ao entrar no seu comércio para comprar uma peça de pano, perguntei por detrás do balcão:
----Chiquito, quero aquela peça, a anti-penúltima daquela fileira, e apontei o local. Ele, simplesmente me respondeu:
----Não tô com vontade de vender aquela não, escolhe outra.
----Mas gostei da tonalidade do pano. Pega lá pra mim?
----Mas não quero vender essa peça, uai!

Dona Ivone tinha acabado de chegar do Rio de Janeiro, toda bronze, shortinho curto, pernas carnudas, bunda estilo Raimunda, alegre, fogosa, enfim pronta pra engafunhar num mineiro. E era bonita a Dona Ivone, nos seus sessenta anos.
Ia passar uma temporada na casa da sua nora, que cuidava de uma floricultura.
Pensei logo em ajeitar um namorado para ela, herdei do meu pai a mania de querer ver todo mundo casando, ou namorando. Não importa, queria mesmo era ver a bela carioca feliz.

Falei do Chiquito pra ela. Enchi a bola dele. Fui até um pouquinho mais longe , dizendo que ele deveria ter uma poupança bem gorda, que ela mudaria até o estilo do seu comércio. Trocaria aquelas prateleiras comidas de cupim, não mais venderia pinico, chaleiras, colheres de ferro, coador de café e faria uma fogueira com aquelas pilhas de panos poeirentos e cheios de buracos de traças, por roupas e bijouterias de griffe, sapatos estilosos, tudo bem à moda carioca.
---- Mas eu nem conheço o Chiquito!
----Não tem importãncia, Dona Ivone. Você chega de mansinho, diz que trabalha na floricultura e o convida para uma visita às belas flores. Não esqueça de dar um "olhar carioca" e esse lindo sorriso pra ele.

Dona Ivone chegou de mansinho, comprimentou o italiano avarento, se apresentou, sorriu e jogou todo seu charme. Nem preciso dizer que chegou rebolando, aguçando seu tesão adormecido, atrás daquele velho balcão. Fez o convite:
----Seu Chiquito, apareça lá na floricultura da minha nora. Chegou muitos vasos de flores, cada um mais lindo que o outro.
E ele respondeu:
----Gosto de flor não!
Encontrei com Dona Ivone, à noite toda chué, murchinha e xingando o mal educado do italiano.
Também pudera, nas bocas das Matildes da cidade, Chiquito gostava mesmo era de cantar as empregadas domésticas. Sempre deixava sua janela serrada, à noite, caso sua cantada fosse aceita.
Também, quem perdeu foi ele. Dona Ivone fez a festa por aquelas bandas...
Dançou muito forró, teve vários namorados e todos bem mais novos que o italiano.
Chiquito continua com sua venda, atrás do balcão, vendendo seus panos empoeirados, comidos de traças, feliz da vida!

De vez em quando tira uma na calada da noite, tá ruim

Antídotos infalíveis


Chorando,
Venço a mágoa,
a angústia,
a amargura.

Choro que brota,
percorre todo meu ser,
desabafo!

Sorrindo,
conquisto a paz.

Tremenda energia que brota de mim.
Me sinto uma flor, um sol, ou mesmo uma lua, sei lá.
Uma deslumbrante energia!
Com quem eu encontrar, vai gostar de receber.
E eu de repartir.

Choro e riso,
dois antídotos infalíveis.

Um convite especial


Qual foi meu espanto, depois de uma forte ventania passar sobre minha cidadezinha, ao correr lá no pomar e ver o chão qualhado de mangas Ubá ( uma manguita delicada e muito saborosa encontrada na região da mata das Gerais).

Senti a menina Ana...
Anos atrás, toda serelepe, correndo pomar abaixo, com uma cuia, correndo pra lá e pra cá, catando as mangas, que pediam para serem colhidas e devoradas.

Voltando à Ana cinquentona...
No céu, as nuvens armavam o maior complô para atiçar meus neurônios, e conseguiram.
De repente, assustei!
Ajudadas por "São Pedro", mandaram pingos de chuvas, por sinal, bem grossos, que me molhou, me banhou.
Olhei pro alto e vi que elas me pegaram de jeito.
Há anos corria dos seus pingos malvados, assim achava.
Afinal, ficar molhada de roupa e tudo, ninguém merece.

Bem, resolvi que desta vez seria diferente.
Ao sentir no rosto aquela chuvarada toda, não correria, não desta vez.
Fiz diferente. Olhei pro lado e pro outro, não tinha uma alma viva me olhando. Então...

Tirei a blusa, a calça jeans, o sutiã, a calcinha e fiz a festa!
Era isso que ela queria: Me banhar!
Abusei.

Enquanto seus pingos batiam no meu rosto, nos cabelos, nos seios,
chegou lá dentro de mim, um recado de Deus:

--- Menina Ana, tô chegando. Entenda!
Essa ventania, a corrida até o pé de manga, os pingos d'água, não te dei nem tempo pra enconder.
--- Quero dançar com você, fazer o nosso carnaval.
--- Me dê a sua mão, cante comigo uma canção de amor, me abraçe, sinta meu calor, meu poder!!!

Abraçei com Ele, cantamos uma linda canção, oramos o "Pai Nosso", e qual foi meu espanto!
Até seus anjos surgiram batendo palmas e mais palmas, num lindo compasso.
Me banhei por fora e por dentro.
Dancei, pulei, sorri, chorei,
me embriaguei na chuva, uma tarde inteira.

Só parei quando ouvi o grito da minha irmã:
--- Ana, você enlouqueceu?
--- Corra, o bloco está passando.

Era sábado de carnaval.

Aguinha do meu coração


Agüinha do meu coração,

Fiquei sabendo que estão maltrando você.
Que você pode até desaparecer do mundo.

Não pode!

Você é muito boa pra nós!

Tô aqui pensando um jeito de proteger você.
Fui até lá na torneira do banheiro e tentei de pegar,
só que não dei conta.
Queria cuidar de você, igual eu cuido da Dudu, minha gatinha.

Por que será que os adultos não te ajudam?
Andam falando que estão jogando lixo nos rios,
matando os peixinhos.
Vi até um peixinho morto lá no lago do parque.

Nossa!
O que vai ser de mim e da Dudu, quando a gente crescer?
E de todas as criancinhas? E dos outros bichinhos?
Puxa!
Quando não tiver mais agïinha pra molhar o vaso de orquídea, ela vai morrer.
A vovó vai ficar triste.

Será que a terra toda vai secar?

Dudu, ja sei como ajudar.
Chega bem pertinho, vamos rezar.
---- Anjinho da guarda, mamãe tá sempre falando que você cuida de nós, então cuida também da nossa água, não deixe ela secar. Prometo ser boazinha.
Amém.

Bons tempos virão


Vaguei.
Muito!
Empurrada para caminhos pedregosos,
sedenta, esfomeada,
não vi as horas passarem,
nem os dias,
nem os anos.

Tal qual uma égua,
com a dor de ser marcada,
a fogo e ferro,
sofri.

Apanhada a laço,
acorrentada fiquei.
Por longas noites, chorei.

Me pergunto?
Haverão mãos, braços,
ou mesmo um canto de ninar?

Espera aí!
Posso voltar.
Deixei rastros.
Eles me guiarão.
Encontrarei sementes,
de certo, germinarão.

Plantarei de novo,
revolverei a terra,
o solo renascerá,

Já sinto o sabor da colheita,
em sonhos,
por enquanto!

Baile Hippie


Baile Hippie


A semana tinha começado animada,
O tão esperado baile hippie seria no próximo sábado.
A calça Lee já estava a caminho, era caríssima!!!
Tive que redobrar meus trabalhos na mercearia do meu pai e adular minha mãe pra sair a grana, mas desta vez teria a tão sonhada calça jeans.

À noite, segunda, terça, quarta, quinta e sexta, encontrava a turma pra gente fazer os planos, juntar os sonhos, encher de expectativas nossos corações adolescentes.

Bem em frente da minha casa, morava a costureira, Alaide (Lala, para os íntimos).
Ela adorava ver a gente chegando com os cortes de tecidos, onde com seu bom gosto, inventava cada roupa... parecia o Clodovil.
Pra esse baile tinha bolado um colete todo de franja, em couro preto. Adorei a idéia!

Meu Deus! Onde vou conseguir o couro?
Lembrei de Sô Raimundo Nazário.
Ele fazia arreios de couro.
Vai ser lá mesmo que vou conseguir um pedaço com ele.
Quinta-feira consegui convencer Seu Raimundo.
Ele, que estava acostumado a lidar só com cavalos, custou pra entender que um pedaço de couro daria um colete.

Resolvi ficar calada, queria ser a única no baile a usar um colete de couro com franjas, pra isso, contei com o silêncio também da Lala.

Faltava uma coisa: as botas!!!

Nunca tinha usado botas, nem dinheiro tinha pra comprar.

Lembrei que tinha visto algo parecido no Sô Raimundo Nazário.
Ganhei foi xingo, afinal aquela guria, meio maluca, atrevendo-se a usar uma bota de vaqueiro, ainda por cima, pra ir dançar?
Saí de lá com a bota, ele deu até um arremate com franjas, pra combinar com o colete.

Ai!!!! Que aflição gostosa!
De sexta pra sábado nem consegui dormir direito, só pensando
no baile hippie.
Sonhei que fiquei tão linda, tão doidona, tão hippie que aquele garoto, por quem eu estava me desmachando , ficou de queixo caido por mim.

Sábado! Dia lindo!
Lavei meus cabelos encaracolados, sequei-os ao sol, pra ficar com muito brilho (nem tinha salão por aquelas bandas, ainda),
fiz as unhas, passei esmalte vermelho pra combinar com o batom morango da Avon.

Lá pelas sete horas da noite fizemos uma concentração na praça.
De longe, estava a galera masculina, de olho na gente.
Só com o olhar, já dava um sinal que estaria nos esperando no clube.

Dez horas da noite...
Esqueci de dizer que o Industrial (esse era o nome do clube) ficava de frente da minha casa, do outro lado da pracinha.
E que era a primeira vez que minha mãe deu carta branca pra eu ir sozinha num baile, era demais!

Dez horas da noite...
Atravessamos a praça, coração na goela,
qual foi meu espanto!
Não tinha nem mesas, nem cadeiras dentro do clube.
Só o palco, onde o conjunto "Os Morcegos" botava pra quebrar!

Espalhamo-nos pelo chão do clube, que nem hippie.
Também, com minha calça jeans, senti-me livre, leve e solta.

Bebi meu primeiro HI-Fi, dei o primeiro trago no cigarro, e beijei muiiiiiiiiiiito.
Saiu todo o batom.

Tem, até hoje, gosto de "quero mais"

De coração para coração


De coração para coração



Filha,
Onde anda você?
Em que momento da sua vida eu não estava presente para pegar suas frágeis mãozinhas e dizer: É por aqui seu caminhar.
Saiba que, mesmo quando eu não estava presente fisicamente, meu coração, meu espírito, meu amor incondicional agia e age, a todo segundo, minutos, horas, dias, anos e pela eternidade afora para sua felicidade.

Não tenha medo do bicho papão, do boi da cara preta, nem da bruxa malvada.

Lembra, aquela noite, quando você era pequenina?
Você acordou chorando, tremendo de medo, gritando:
----Mamãe, mamãe!

Pode me chamar de novo. Grite bem alto, berra!!!
Estou de prontidão, com as armas mais possantes do mundo, pra lutar com e por você.

Olha à sua volta.
A vida está lá fora de esperando!

O dia está lindo!
O sol te espera, pronto para te aquecer.
A chuva, pra lavar sua alma.
Dispa-se dessa amargura, dessa angústia.
Você é linda!

Minha menina, sou sua fada madrinha!

sábado, 29 de março de 2008

Ana Mariiiiiiiiiiiiia!

Minha mãe, quando eu era criança já me via moça crescida.
O relógio batia oito horas e lá vinha ela com seus passinhos frenéticos entrando no quarto e me acordando dizendo:
--- Ana Mariiiiiiiia! Isso é hora de dormir? Pula já da cama, vai cuidar dos afazeres!

Esfregando os olhos, corria na varanda e dava de cara com minhas amigas brincando na praça, em frente da Capela de São Sebastião.
Quando chovia de madrugada, a chuva varria a terra e o chão no largo da capela ficava todo fofinho, era ideal pra jogar finco.
Me dava uma raiva!!!
Tinha que obedecer a mãe, arrumar a casa, passar umas peças de roupas, as mais fáceis, e só depois eu ia brincar.

Corria, corria, limpando "pelos meios", com a cabeça no jogo dos fincos. Sem ela ver, saía de fininho pelo beco da casa e mergulhava nas brincadeiras. Tinha esse direito. Como minha mãe era chata!
Até esqueci que tinha deixado o ferro ligado. Só lembrei quando ouvi seu grito estridente:
--- Ana Mariiiiiia! Passa aqui!
Nossa, e agora?
Só senti o cheiro da toalha de banho queimada e a marca do ferro na velha mesa de madeira.
--- Venha bater os ovos para fazer o rocambole.
Continuava me direcionando para o trabalho. Assim acreditava estar cumprindo sua missão de mãe.
Pegava os ovos, me ensinava a separar as claras das gemas e dizia:
---Cuidado! Não pode cair uma gota sequer de gema senão a clara não cresce.
Já com bastante raiva, meu jogo de finco tinha ficado pela metade, batia apressadamente as claras, colocava as gemas, batia de novo, depois o açucar, o trigo e saía um belo de um pão de ló, que depois de assado, ela recheava com doce de leite e virava um rocambole.
Agora entendo porqwue o meu pão de ló ficava bom; é que a raiva e a pressa para voltar a jogar finco, me fazia bater as claras ligeiramente.
Quando voltava na varanda, ficava triste. A meninada tinha ido embora, tinha terminado a brincadeira.
Tomava meu banho, almoçava e ia pra escola.
Na volta, passava na venda do meu pai e lá estava o bendito rocambole, enfeitando a vitrine. Pegava um pedaço, como era gostoso!
A alegria voltava mo meu coração de menina. Tinha feito a minha parte.

terça-feira, 25 de março de 2008

Cuidem do meu coração, vocês moram nele


Tadinho dele,
parece um bicho assustado.

Ah! Coração,
que anda tão carente,
acolhe tanta gente...

Você guarda meu tesouro,
parece uma mina de rubi,


Acorda e adormece cansado,
precisa de reparos,
um toque aqui, outro acolá,
e acalento terá.

Aguenta coração!

Um toque só,
um olhar de amor, um sorriso basta,
tão fácil te restaurar.

Você é molenga, coração.

Que forte, que nada!

Ôi, amores do meu coração,
Um chamego de vez em quando faz bem pra ele,
custa nada!

Acordam...

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Uma pitada de sal


De hoje em diante
vou refrescar a mente,
chupar manga até a semente.
Engulir o suco de carambola,
sem deixar uma gota,
lamber os dedos lambrecados de mel,
sentar na porta de casa, pra vê-lo passar.

Hummm! Lá vem ele!
De longe já sinto subir uma onda quente!
Acho que é esse calorão danado!
É de tardinha, e esse sol ainda queima.
E ainda me aparece esse menino,
pra me assombrar a alma!

Dizem que começa assim,
será que tá chegando minha vez?
Será amor?
Num quero nem pensar,
só sei que ...

Ai,ai,ai... Agora ele tá mais perto.
Tô ficando vermelhinha,
envergonhadinha.
Engasguei!
Ufá, que mel danado de doce,
Logo agora!

Que coisa mais gostosa!
Você passou, olhou pra mim, sorriu, se foi.

Deixou um quê dentro de mim.
Gostoso pra dedéu...

Uma pitadinha de sal na minha vida.

Sobre coisinhas miúdas


6:30 da manhã ouço:
---Vó Ana, posso dormir mais um pouquinho?

6:50 da manhã, de novo:
--- Vô Caquim acorda! Tá na hora de me levar pra escola.

Essa vozinha vozinha de manhã me acordando, que delícia!

--- Hoje no almoço fiz um arroz amigo.

--- Meditei o Salmo 128 à tarde. Depois comi pão quentinho com manteiga e café.

--- Senti seu zelo ao escolher as maçãs, as cenouras e a melancia na feira.

--- Dei um cheiro na Mariana, ganhei um pum e uma gargalhada de volta.

--- Notei seu olhar triste quando você despediu e foi pra Brasília.

--- 00:15 da madruga: Você ligou de Três Marias, já com saudades e dizendo que minhas mãos
são abençoadas. Sarou a dor na sua nuca.

Adormeci com saudades de você.

Amanhã quero, de novo, essas coisinhas miúdas.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Meus inesquecíveis vizinhos


Meus inesquecíveis vizinhos


Sempre morei numa cidadezinha do interior mineiro (Alvinópolis).
Numa casa de varanda, numa pracinha,
cheia de Ipês roxo e amarelo (acho que estão floridos nesta época),
e rodeada de vizinhos que me ensinaram lições pra vida toda.
Aos oito anos sentada na beira do fogão de lenha de Dona Maria,
vendo-a fazer balas de bico pra vender,de olho nas balas quebradas que sobravam, enquanto jogava um fio de mel pra dar um sabor especial ela dizia:
---Ana, adoce sua vida com mel, não esqueça.
Naquela época não entendia nada, fui entender mais tarde,
quando a vida me pregou várias peças por eu ter esquecido o mel no armário.
Hoje uso e abuso desse mel.

Já a Sá Dica, nos meus quinze anos, era minha conselheira sentimental.
Brigava com meu namorado e lá ia eu toda sofrida contar pra ela, dizendo que , apesar de gostar dele, não voltaria jamais.
Ela passava os olhos no galinheiro e perguntava:
---Quando ocê quer pegar uma galinha, ocê fala Xô ou joga mio pra ela?

A Calola já estava separada do marido, o Edi, que a trocou por outra,
fazia uns dez anos, deixando com ela oito filhos pra criar.
Também sentada na beira do fogão de lenha, fritando sonhos recheados
(como eram gostosos), pra sua filha mais velha vender na porta das escolas,
contava casos da sua juventude, os bailes, as serenatas,
as juras de amor na pracinha que Edi fazia pra ela.
Vivia e alimenta dessas lembranças e seus olhos brilhavam de amor,
que era repassado para seus filhos e ela falava:
---Ele se foi mas deixou oito pra eu amar no lugar dele. Ela era só alegria.
Hoje meus olhos brilham quando olho pro meu amor,
meu companheiro e namorado e meus filhos.
Ela me ensinou que amar é melhor que sofrer.

Com Detinha aprendi a crer, ter fé.
Com vinte e nove anos já tinha duas filhas (dois e quatro anos),
levava-as para ela benzer.
Era mais ou menos assim:
---Vou benzer até as brasas flutuarem dentro do copo com água.
E ela rezava, rezava.
Eu só saía de lá quando as brasas subiam até a borda do copo.
E as meninas saravam mesmo.

Só tinha uma vizinha que era osso duro de roer: A Vitória de Sô Jorge Turco.
Solteirona frustada, fazia quarenta anos que namorava o Juvenal.
Vivia no meu pé, desde criança.
Mesmo assim aprendi a fazer um quibe que só ela tinha a receita ( turca, né) e era guardada a sete chaves.
Dei um jeito entrei na sua casa e copiei a receita.
Hoje faço um quibe delicioso, herança dela.

Hoje fico aqui dentro do meu apartamento,
encontro os vizinhos no corredor do prédio,
não os conheço, são apressados, não têm tempo nem de comprimentar,
nem mesmo de sorrir, que pena!

Vizinho de verdade só no interior,
onde sempre há uma cadeira esperando pra gente sentar e conversar no alpendre,
na porta da rua, tendo lá no céu a lua como cúmplice de uma grande amizade.