quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Cigana



Cigana

E essa adolescente que te acompanha vinte e quatro horas por dia?
Vai garota! Bota a mochila nas costas e siga teu rumo.
Bem sei que tens sangue nômade.

És uma cigana.
Não aquela cigana clássica, mas uma cigana do terceiro milênio.
Mais energizada, não tão preocupada com teus ancestrais, com normas, muito menos em preservar tua cultura, sei disso.

Faz tempo deixou tuas saias coloridas, teus babados. Faz tempo não dorme em tendas.
Nem procura um homem cigano.

Faz tempo, não confia nas estrelas, nem revela teus segredos. Escondidos estão, na floresta.

Vai... segue teu coração.

Leva, na mochila, teus sonhos.
De certo encontrará um amigo, um vizinho, um mar, uma estrada, um palco.

Descobrirá que nesse palco estreará uma peça, onde um vizinho, um amigo te levará por uma estrada até o mar, teu sonho.
O abraço do mar, o afago das ondas, beba esse cálice.
E nunca mais terá sede.

Está escrito em tuas mãos.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Maria Regateira





Quando eu era criança, lá em casa tinha um quarador de roupas.
Naquela época, toda casa tinha no quintal, várias touceiras de capim,
e ali quarava a roupa, antes do meio dia, para a roupa clarear.
Minha mãe tinha uma plantinha que esfregando suas folhas nas roupas,
elas ficavam branquinhas e cheirosas.
Essa planta chama(va) Maria Regateira (nome popular,vou ver se encontro seu nome científico).
Tinha um perfume tão bom!

Guardo nas minhas lembranças, o cheiro das minhas roupas.

Regateira porque era teimosa.
Regateira porque se oferecia, se dava, se perfumava.
Queria viver a qualquer custo, nascia em qualquer terreno,
sem o mínimo de cuidado.
Queria mesmo era embelezar os quintais com suas humildes flores,
e perfumar todos que cruzassem seu caminho.

Lembro do seu sorriso para mim, na beira da cerca, querendo dizer:
---Olá amiguinha, aceita uma florzinha?
---Pode pegar, não ligo. Até acho bom enfeitar e perfumar o seu quarto.
Então eu colhia algumas flores e saia correndo para colocar na jarra
que ficava em cima da minha pentiadeira.

Acho que até as borboletas gostavam de sentir seu perfume,
pois a beijavam muito, deixando as cambarás,
as boninas e até os bugarins de lado.

Achei interessante e também profundo o significado.
Tanto é, que ficou registrado no meu coração de menina.
Também porque estou me sentindo uma maria regateira.
Gosto de perfumar a vida de quem tromba comigo.

sábado, 15 de agosto de 2009

Guardados


Faço jus ao meu coração,
Sondo minhas lembranças,
Sei que não são em vão.

Sinto o cheiro do figo cristalizado,
O reflexo dos olhos verdes
na velha compoteira
de uma Vó enciumada.

Dona prendada!
rosas e margaridas ganhavam vida
nas toalhas de linhos,
uma branca para Santo Antônio,
outras enchiam o baú de cedro.
Rezadeira e casamenteira,
novena é que não faltava.

À tardinha, banhava os pés,
entre quitandas e quitutes,
uma prosa e outra,
no aconchego da varanda,
fuxico é que não faltava.

Um dia se foi...
entre crivos e crochet,
toalhas e colchas contam histórias,
singelos guardados.
Saudade é o que não falta.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Na trilha dos cinquenta



Foi só um zumbido para me despertar.
E mal sabia a dona do zumbido que era disso que eu estava precisando: despertar.
Coçei os olhos, olhei o quarto aconchegante do meu chalé, levantei.
Abri a janela, desci as escadas procurando por algo, talvez uma estrada.
Resolvi caminhar pela trilha.
Desde que percorri aquela trilha pela primeira vez, algo mudou dentro de mim.
Voltei nela ontem pela tardinha. Achei-a sinistra. Tinha chovido, o chão, bem cuidado, de terra batida estava ainda molhado e frio.
Haviam pingos nas folhas dos bambus, arrepiei.
Incrível como aquela trilha mostrava passos. Meus?
Cada lugar que eu passava, ficava atenta. Até um simples cipó, emaranhado nos bambus, queria me dizer algo. Dizia e eu escutava. Meu coração ofegante concordava.
Senti que o universo daquele lugar, onde folhas, teias de aranhas, tocas de coelho, ninhos de passarinhos, até um broto de bambu que despontava do solo, todos, todos, queriam entrar no meu universo e mostrar a minha trilha.
Então olhei para trás, vi uma estrada, diversas encruzilhadas, onde tive que optar por caminhos desconhecidos, incertos talvez. Alguns com muitos obstáculos.
AH! Esses aprendi a retirar algumas pedras, levantar dos tombos que levei, Valeu, valeu!
E agora? Estou na trilha dos cinquenta anos. Incertos, possivelmente.
Descobri que não quero ficar com o pé no chão.
Um passarinho me contou, na trilha da minha chácara que voar é lindo, para eu não desistir nunca. Ainda deu-me um conselho:
---Chega lá em baixo só para se energizar na terra, bom mesmo é seguir... de encontro ao infinito.
Voltei mais leve. Vou me aconchegar debaixo das minhas cobertas, com meu bem querer.
Só não quero outro beijo de muriçoca.