terça-feira, 8 de abril de 2008

Cada um é cada um

Chiquito é daqueles descendentes de italianos, cujo pai veio do interior da Itália, região da Calábria, após a segunda guerra mundial.

Sistemático, caladão, herdou uma "venda", que até hoje tem as mesmas características de oitenta anos atrás.
Ele é tão "ele", que certa vez ao entrar no seu comércio para comprar uma peça de pano, perguntei por detrás do balcão:
----Chiquito, quero aquela peça, a anti-penúltima daquela fileira, e apontei o local. Ele, simplesmente me respondeu:
----Não tô com vontade de vender aquela não, escolhe outra.
----Mas gostei da tonalidade do pano. Pega lá pra mim?
----Mas não quero vender essa peça, uai!

Dona Ivone tinha acabado de chegar do Rio de Janeiro, toda bronze, shortinho curto, pernas carnudas, bunda estilo Raimunda, alegre, fogosa, enfim pronta pra engafunhar num mineiro. E era bonita a Dona Ivone, nos seus sessenta anos.
Ia passar uma temporada na casa da sua nora, que cuidava de uma floricultura.
Pensei logo em ajeitar um namorado para ela, herdei do meu pai a mania de querer ver todo mundo casando, ou namorando. Não importa, queria mesmo era ver a bela carioca feliz.

Falei do Chiquito pra ela. Enchi a bola dele. Fui até um pouquinho mais longe , dizendo que ele deveria ter uma poupança bem gorda, que ela mudaria até o estilo do seu comércio. Trocaria aquelas prateleiras comidas de cupim, não mais venderia pinico, chaleiras, colheres de ferro, coador de café e faria uma fogueira com aquelas pilhas de panos poeirentos e cheios de buracos de traças, por roupas e bijouterias de griffe, sapatos estilosos, tudo bem à moda carioca.
---- Mas eu nem conheço o Chiquito!
----Não tem importãncia, Dona Ivone. Você chega de mansinho, diz que trabalha na floricultura e o convida para uma visita às belas flores. Não esqueça de dar um "olhar carioca" e esse lindo sorriso pra ele.

Dona Ivone chegou de mansinho, comprimentou o italiano avarento, se apresentou, sorriu e jogou todo seu charme. Nem preciso dizer que chegou rebolando, aguçando seu tesão adormecido, atrás daquele velho balcão. Fez o convite:
----Seu Chiquito, apareça lá na floricultura da minha nora. Chegou muitos vasos de flores, cada um mais lindo que o outro.
E ele respondeu:
----Gosto de flor não!
Encontrei com Dona Ivone, à noite toda chué, murchinha e xingando o mal educado do italiano.
Também pudera, nas bocas das Matildes da cidade, Chiquito gostava mesmo era de cantar as empregadas domésticas. Sempre deixava sua janela serrada, à noite, caso sua cantada fosse aceita.
Também, quem perdeu foi ele. Dona Ivone fez a festa por aquelas bandas...
Dançou muito forró, teve vários namorados e todos bem mais novos que o italiano.
Chiquito continua com sua venda, atrás do balcão, vendendo seus panos empoeirados, comidos de traças, feliz da vida!

De vez em quando tira uma na calada da noite, tá ruim

Um comentário:

Marcos Martino disse...

ANA MINEIRA, SUAS MEMÓRIAS SÃO COMPARTILHADAS POR MUITOS. CHIQUITO É REALMENTE UMA FIGURA VIU. MAS PARA NÓS DA RUA DE CIMA, COM TODOS OS SEUS EXOTISMOS, TEM UM CORAÇÃO ENORME. AJUDOU MUITO MEUS PAIS EM HORAS DE NECESSIDADES. MAS VALEU LER O SEU CONTO. MUITO BACANA MESMO. GRANDE ABRAÇO...