quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Meus inesquecíveis vizinhos


Meus inesquecíveis vizinhos


Sempre morei numa cidadezinha do interior mineiro (Alvinópolis).
Numa casa de varanda, numa pracinha,
cheia de Ipês roxo e amarelo (acho que estão floridos nesta época),
e rodeada de vizinhos que me ensinaram lições pra vida toda.
Aos oito anos sentada na beira do fogão de lenha de Dona Maria,
vendo-a fazer balas de bico pra vender,de olho nas balas quebradas que sobravam, enquanto jogava um fio de mel pra dar um sabor especial ela dizia:
---Ana, adoce sua vida com mel, não esqueça.
Naquela época não entendia nada, fui entender mais tarde,
quando a vida me pregou várias peças por eu ter esquecido o mel no armário.
Hoje uso e abuso desse mel.

Já a Sá Dica, nos meus quinze anos, era minha conselheira sentimental.
Brigava com meu namorado e lá ia eu toda sofrida contar pra ela, dizendo que , apesar de gostar dele, não voltaria jamais.
Ela passava os olhos no galinheiro e perguntava:
---Quando ocê quer pegar uma galinha, ocê fala Xô ou joga mio pra ela?

A Calola já estava separada do marido, o Edi, que a trocou por outra,
fazia uns dez anos, deixando com ela oito filhos pra criar.
Também sentada na beira do fogão de lenha, fritando sonhos recheados
(como eram gostosos), pra sua filha mais velha vender na porta das escolas,
contava casos da sua juventude, os bailes, as serenatas,
as juras de amor na pracinha que Edi fazia pra ela.
Vivia e alimenta dessas lembranças e seus olhos brilhavam de amor,
que era repassado para seus filhos e ela falava:
---Ele se foi mas deixou oito pra eu amar no lugar dele. Ela era só alegria.
Hoje meus olhos brilham quando olho pro meu amor,
meu companheiro e namorado e meus filhos.
Ela me ensinou que amar é melhor que sofrer.

Com Detinha aprendi a crer, ter fé.
Com vinte e nove anos já tinha duas filhas (dois e quatro anos),
levava-as para ela benzer.
Era mais ou menos assim:
---Vou benzer até as brasas flutuarem dentro do copo com água.
E ela rezava, rezava.
Eu só saía de lá quando as brasas subiam até a borda do copo.
E as meninas saravam mesmo.

Só tinha uma vizinha que era osso duro de roer: A Vitória de Sô Jorge Turco.
Solteirona frustada, fazia quarenta anos que namorava o Juvenal.
Vivia no meu pé, desde criança.
Mesmo assim aprendi a fazer um quibe que só ela tinha a receita ( turca, né) e era guardada a sete chaves.
Dei um jeito entrei na sua casa e copiei a receita.
Hoje faço um quibe delicioso, herança dela.

Hoje fico aqui dentro do meu apartamento,
encontro os vizinhos no corredor do prédio,
não os conheço, são apressados, não têm tempo nem de comprimentar,
nem mesmo de sorrir, que pena!

Vizinho de verdade só no interior,
onde sempre há uma cadeira esperando pra gente sentar e conversar no alpendre,
na porta da rua, tendo lá no céu a lua como cúmplice de uma grande amizade.

Um comentário:

Marcos Martino disse...

MAS TAMBÉM PUDERA NÉ, NO INTERIOR A GENTE CONHECE TODO MUNDO, A MEMÓRIA DAS FAMILIAS, SUAS REPUTAÇÕES. NA CAPITAL A GENTE TEM MEDO ATÉ DA SOMBRA. MUITAS VEZES A GENTE ANDA NOS ÔNIBUS, SENTADOS AO LADO DE LADRÕES QUE VÃO PEGAR SERVIÇO, CHEGA ATÉ A BATER PAPO COM ELES. É DIFICIL DEMAIS...